Entre o Ser e o Parecer


Existem pessoas que não gostam da palavra fanzine e qualquer avaliação que fazem do conteúdo começa pelo facto de a publicação se assumir como fanzine ou revista, como se esse facto tivesse alguma relevância em Portugal, onde as revistas de BD que publicam autores nacionais são inexistentes. Um fanzine é uma forma de publicar, fora de um circuito supostamente comercial, não é um “género”, uma publicação não é boa ou má só por ser um fanzine. Eu percebo que para alguns um fanzine seja automaticamente conotado com uma determinada corrente de arte abjecta que tornou preponderante, neste género de publicações. Contudo um fanzine tanto pode com histórias autobiográficas ou com histórias de super-heróis, é uma maneira de publicar material não é um género.

Os fanzines costumam ser conotados com jovens amadores em principio de carreira, mas em países com um mercado fraco ou inexistente como Portugal, também foram sempre uma maneira de os autores mais “maduros” e com qualidade “profissional” publicarem e desenvolverem o seu trabalho.

Amador: adj. s. m. O que, por, por gosto e não por profissão, exerce qualquer ofício ou arte.

O amadorismo dos fanzines não é devido à qualidade dos seus colaboradores mas derivado ao facto de não serem publicação que remunerem os seus colaboradores, sendo sobretudo algo feito por “amor à camisola” e não por objectivos financeiros, a grande diferença em relação a uma publicação comercial cujo principal objectivo é o lucro, e cuja existência está dependente do facto de ser financeiramente viável. Em Portugal os termos fanzine e revista passaram a ser utilizadas conforme a orientação ideológica dos autores, uns proclamam que fazem revistas para se fazerem e profissionais e comerciais, outros assumem-se como fanzines para serem independentes e alternativos. Depois temos o cumulo de ter revistas com 100 exemplares de tiragem e fanzines com tiragens de 300 e 500 exemplares. No fundo são exactamente o mesmo.
Tenho pouca paciência para quem se gosta de se promover como comercial quando é amador no pior sentido da palavra, mas tenho ainda menos paciência para fanzines publicados por burocratas que são muito bons a sacar apoios camarários e estatais, mas péssimo a fazer algo que tenha qualidade e seja capaz e interessar ao leitores. Mete-me impressão fanzines publicados por uma editora e apoiados por uma associação, a utilização de uma palavra simplesmente para se sentirem mais alternativos, contestatários, anti-sistema quando só existem devido ao sistema.

Profissional: adj. 2 g. Pessoa que faz uma coisa por ofício.

Que eu que tenha conhecimento não existem revistas de BD de autores portugueses, que tenham uma periodicidade e remunerem os seus colaboradores. A BD em Portugal, em particular aquela que é feito por autores nacionais é em 90% dos casos amadora, existindo devido a pequenas editoras ou associações cujas publicações quer se assumam como álbuns, revistas ou fanzines (no geral) possuem a mesma qualidade em termos de conteúdo e impressão. Existe quem queira resolver estas contradições das revistas e fanzines designando as publicações de antologias, esquecendo-se do facto que isso não as torna em algo diferente daquilo que são: publicações amadoras de tiragens limitadas. É uma maneira de tapar o sol com a peneira e ser-se mais “profissional” sem que os autores/colaboradores vejam o seu trabalho remunerado com essa mudança de nomenclatura.

Existe é um facto que é inegável, estas “antologias” modernas, sejam vendidas como fanzines ou revistas, não possuem qualquer tipo de pretensão a serem projectos com uma periodicidade e regularidade que permita um desenvolvimento dos autores e publico que venha a permitir aos autores terem um local onde publicar e serem remunerados, seja a curto, médio ou longo prazo.

Profissão: s.f. Ofício; emprego; ocupação; mister.

Torna-se um bocado patético que no meio de tanta associação, editora e pseudo-editora alternativa, não existem eventos onde os pequenos editores se cruzem porque uns são alternativos e outros comerciais, mesmo quando alguns até são membros das mesmas associações e as publicações possuem as mesmas tiragens e têm lucros semelhantes.

Não sou apologista dos fanzines nem do amadorismo, agora não gosto de hipocrisias e da tradição portuguesa em que é mais importante parecer do que ser.

4 comentários

Nuno Amado disse...

Bem, vim aqui parar porque me identificaste numa publicação do Facebook em que dizias que era "dedicado" a mim e à Aida Teixeira.

Antes de eu fazer qualquer comentário sobre o texto, primeiro quero saber se esta frase é dedicada a mim e à minha mulher:
agora não gosto de hipocrisias e da tradição portuguesa em que é mais importante parecer do que ser.
É que no Facebook dizes que este post é-me dedicado, e eu primeiro quero saber se essa das "hipocrisias" e "mais parecer que ser" me foi dedicada...

Abraço

Miguel Ardan disse...

"Existem pessoas que não gostam da palavra fanzine e qualquer avaliação que fazem do conteúdo começa pelo facto de a publicação se assumir como fanzine ou revista"

Essa é a parte dedicada à Aida e em parte a ti, que o texto foi em parte escrito por causa dessa vossa aversão à palavra fanzine, o resto do texto é dedicado para ver se percebem o facto de não me importar em assumir algo como fanzine, como sendo amador sem tentar disfarçar isso com palavras bonitas.

Nuno Amado disse...

Chaka Sidyn, eu não tenho aversão à palavra fanzine. Existem bons fanzines, agora eu não gosto do formato, assim como não gosto do formato revista. Todas as revistas (comics e afins) que tinha encadernei! Os fanzines que tenho estão todos guardados em caixas porque não os posso encadernar devido aos vários tamanhos diferentes...
Em relação ao profissional estás a cometer um engano. A partir do momento em que haja ISBN e Dep. Legal passa a ser uma publicação profissional independentemente da tiragem. Porquê? Porque pagas impostos sobre o dinheiro que ganhares. Seja muito ou pouco é assim. Um fanzine não paga impostos porque é amador, por muito famoso que seja o artista envolvido nessa publicação.
Se eu tivesse aversão a fanzines não publicitava o Minizine, por exemplo, ou as primeiras Zonas, ou outros que já passaram pelo Leituras de BD.
Perguntas-me se eu sou fã desse género de publicação? Não não sou. Mas considero-a importante no crescimento de alguns autores para a sua hipotética via profissional.
:)

Miguel Ardan disse...

Não tens tu mas tem a Aida, que começou uma critica com "eu não gosto de fanzine". Não gostares do formato revista/antologia é outra coisa, eu pessoalmente gosto desse formato, em particular quando publica histórias curtas auto-conclusivas, quando são revista com várias histórias em continuação já acho menos piada. O formato de antologia tem as suas vantagens, uma delas o de permitir a publicação de histórias curtas que é o melhor local para se fazerem experiências, quer seja fanzine ou revista, que aqui estou mesmo a falar do formato de publicação. (A mim irrita-me profundamente que aquelas antologias da Vertigo não sejam publicadas com maior regularidade)

Para mim o que conta para o profissional não é se pagas imposto de um lucro diminuto ou inexistente, é o facto de os autores e colaboradores poderem fazer do trabalho que desenvolvem profissão. Algo que não acontece (e não é só na BD). Pagares impostos sobre uma publicação de 100 exemplares tem tanta validade como teres de te colectar para ires vender para a feira da ladra.

A legalização que existiu na BD na última década que faz que tenhas publicações legalizadas (que eu não consigo chama-las de profissionais), contudo esse facto não significa que a situação tenha melhorado, pelo contrário. As vendas são menores, as publicações menos regulares.

(Já agora isto não é nada pessoal e tu tens sido umas principais fontes de tráfego quer para o blog quer para o issuu;)

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